O que é graça preveniente?
Graça preveniente é uma expressão usada para descrever a graça concedida por Deus que precede o ato de um pecador exercer a fé salvadora em Jesus Cristo. O termo preveniente provém de uma palavra latina que significa “vir antes, antecipar”. Por definição, todo sistema teológico que afirma a necessidade da graça de Deus antes da conversão do pecador ensina algum tipo de graça preveniente – a doutrina reformada da graça irresistível e a graça comum se enquadram nessa categoria.
No entanto, quando a expressão “graça preveniente” é utilizada em discussões teológicas, ela é empregada de maneira específica. No contexto do debate entre calvinismo e arminianismo, a graça preveniente é mencionada para objetar a doutrina calvinista da graça irresistível. Por essa razão, tanto nos tempos modernos quanto na história, ela também foi chamada de “graça resistível” ou “graça pré-regeneradora”. Negar a necessidade da graça de Deus antes da conversão do pecador vai de encontro ao ensinamento bíblico, e, por isso, os sistemas teológicos não calvinistas afirmam uma doutrina cuja graça precede o exercício da fé salvadora. Em termos simples, a graça preveniente é aquela graça de Deus concedida aos indivíduos que os liberta da escravidão do pecado e os capacita a vir a Cristo em fé, sem, contudo, garantir que o pecador de fato o faça. Assim, a eficácia dessa graça capacitadora de Deus não é determinada por Deus, mas pelo próprio homem.
Posições históricas dentro do sistema arminiano
No sistema teológico arminiano, existem três posições proeminentes acerca da doutrina da graça preveniente. Dentro do arminianismo clássico, há duas abordagens, e dentro do wesleyanismo (ou arminianismo wesleyano), há uma posição importante. Apesar das semelhanças entre essas posições, elas não são idênticas – a definição correta da graça preveniente tem gerado debates internos na tradição arminiana.
Primeira posição (Arminianismo Clássico)
Na primeira posição, antes que o evangelho – o instrumento pelo qual Deus atrai os pecadores para Si – seja apresentado ao pecador, este permanece em completa escravidão ao pecado. O Espírito Santo atua por meio da apresentação do evangelho, ensinando (conforme referências em passagens como João 6:45) e convictando o pecador (como em João 16:8), capacitando-o a responder exercitando a fé salvadora em Cristo. O Espírito abre o coração (conforme Atos 16:14) e a mente (como em Lucas 24:45) do pecador, atraindo-o para Cristo (ver também referências em João 6:44 e 12:32) e possibilitando que ele utilize sua vontade recém-libertada para colocar sua fé em Cristo para a salvação. Essa abordagem está em conformidade com o ensino bíblico de que o homem natural é incapaz de compreender as coisas espirituais (conforme 1 Coríntios 2:14 e Romanos 8:7-8), o que incluiria a mensagem do evangelho. Contudo, os arminianos ensinam que, embora o pecador seja agora capacitado a crer em Cristo, essa capacitação não garante que ele efetivamente o fará – contrariando a proclamação de Jesus de que todos aqueles que o Pai lhe entregar virão a Ele (como em João 6:37).
Segunda posição (Arminianismo Clássico)
A segunda posição é um pouco mais complexa. Nela, existe, essencialmente, uma atração menor e uma maior por meio da graça preveniente, que ocorre através da proclamação do evangelho e do chamado interno de Deus – às vezes denominada “intensidade completa” da graça preveniente. Ou seja, Deus atrai todos os homens de maneira menor e, daqueles a quem o evangelho é apresentado, atrai de forma maior. Alguns chamam essa atração mais intensa de “graça preveniente particular”. Nesta visão, Deus concede a todos os homens uma graça preveniente que resulta em uma cura universal – embora parcial – da depravação total, através da graça de Deus manifestada na obra expiatória de Cristo. Essa posição assemelha-se ao que alguns chamam de “depravação parcial” no arminianismo, pois a depravação total passa a descrever não mais o estado atual das pessoas, mas o que elas eram. Em razão da obra expiatória de Cristo, todas as pessoas passam a ter alguma capacidade para ouvir e responder ao evangelho; contudo, assim como na outra posição arminiana clássica, elas não ficam completamente livres de sua escravidão ao pecado até que o evangelho seja apresentado e Deus as chame internamente.
Terceira posição (Wesleyanismo)
Na posição wesleyana, também conhecida como arminiana wesleyana, por conta da primeira vinda e da obra expiatória de Cristo, Deus dispensa uma graça preveniente universal que anula totalmente a depravação do homem. Dessa forma, o ser humano encontra-se em um estado neutro. Os que defendem essa posição afirmam que, devido às promessas de Cristo que mencionam que “todos os homens” serão atraídos (como em João 12:32) e que o “mundo” será convencido (como em João 16:8) após Seu sacrifício, a graça preveniente que experimentamos hoje foi algo adquirido pela obra de Cristo na cruz. Como os wesleyanos creem na expiação ilimitada em contraste com a expiação limitada, eles acrescentam que, quando Paulo fala de Deus conceder aos que Cristo morreu por “todas as coisas” (conforme Romanos 8:32), essa graça preveniente universal é uma das “todas as coisas”.
Análise de passagens-chave
Algumas passagens essenciais são usadas para apoiar a doutrina arminiana da graça preveniente. Em João 12:32, Jesus disse que, ao ser levantado da terra, Ele “atrairá todos os homens” para Si. Esse versículo é frequentemente utilizado para contestar a posição reformada da graça irresistível encontrada nas palavras de Jesus em João 6:44, já que João 12:32 declara que “todos os homens” são atraídos e, dessa forma, João 6:44 não pode estar afirmando que todos os que são atraídos se levantarão no último dia. Enquanto os calvinistas interpretam “todos” como significando não apenas judeus, mas também gentios, esse uso comum de “todos” no Novo Testamento é relevante, especialmente se considerarmos a compreensão histórica de que o Messias viria para salvar apenas os judeus.
De maneira semelhante, a passagem de João 16:8, em que Jesus fala do Espírito Santo vindo “convencer o mundo” da culpa em relação ao pecado, à justiça e ao juízo após Sua ascensão, usa “mundo” para se referir a “judeus e gentios” – ou, como descrito em passagens de outros livros, a pessoas “de toda tribo, língua, povo e nação”. Esse mesmo princípio leva a interpretações semelhantes de outras passagens importantes, como Romanos 11:32 e Tito 2:11.
Os calvinistas argumentam contra a doutrina arminiana da graça preveniente utilizando passagens como Filipenses 1:6, que afirma: “aquele que em vocês começou a boa obra, prosseguirá até o dia de Cristo”. O termo grego para “prosseguirá” significa “realização” ou “perfeição”, de forma semelhante ao que o autor de Hebreus diz ao afirmar que Jesus é o “autor e consumador da nossa fé” (ver também Hebreus 12:2). A doutrina da graça preveniente reconhece que uma obra é realizada no pecador, mas nega que a eficácia dessa graça seja garantida – o que se mostra problemático diante da garantia de que Deus realizará completamente o que iniciou, conforme Filipenses 1:6.
Além disso, os calvinistas apontam que não há motivo gramatical ou contextual para acreditar que os dois “lhes” mencionados em João 6:44 refiram-se a grupos diferentes de pessoas. O versículo parece deixar claro que aquele que é atraído pelo Pai será o mesmo que se levantará no último dia, sem suportar a ideia de que alguns atraídos permanecerão sem a ressurreição. Uma promessa similar pode ser vista em Romanos 8:30, onde todos os que Deus chama serão justificados e, posteriormente, glorificados.
Por fim, os calvinistas refutam a ideia da graça preveniente com base em 1 João 5:1, que afirma que a causa para que uma pessoa creia em Jesus Cristo é que ela foi regenerada – algo que, conforme João 1:13, não procede “do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” – sendo essa regeneração necessária para compreender o reino de Deus, conforme João 3:3. O calvinismo enfatiza a morte espiritual do homem natural devido ao pecado (como em Efésios 2:1 e Colossenses 2:13) e a sua necessidade de um novo coração (conforme passagens em Ezequiel 11:19 e 36:26), concluindo que o homem não precisa ser simplesmente “melhorado” ou “parcialmente vivo”, mas sim ressuscitado.






