Que semelhanças existem entre a narrativa do dilúvio de Gilgamesh e a narrativa do dilúvio bíblico?

Semelhanças entre o relato do dilúvio de Gilgamesh e o relato bíblico

Há muitas semelhanças entre a narrativa do dilúvio de Gilgamesh e a descrição bíblica do dilúvio, tendo como ponto de partida o fato de que Deus escolheu um homem justo para construir uma arca em razão de um iminente grande dilúvio. Em ambas as tradições, representantes de todas as espécies de animais deveriam estar presentes na arca e pássaros foram enviados após as chuvas para averiguar se as águas haviam recuado a ponto de revelar terra seca. Outras similaridades também se fazem presentes entre esses relatos.

Um ponto importante de concordância é que um desastre global causado por um dilúvio ocorreu na antiguidade. Partes do relato de Gilgamesh (Tabletes do Dilúvio Caldeu) foram encontradas datando de 2000 a.C. ou antes. Entretanto, os tabletes que contêm a história completa datam aproximadamente de 650 a.C., ou seja, de um período posterior ao relato do Gênesis (c. 1450–1410 a.C.). Esses tabletes caldeus, oriundos da cidade de Ur (atual sul do Iraque), descrevem como o Deus babilônico Ea decidiu pôr fim à vida, poupando apenas os que habitavam a arca. Ea, considerado pelos babilônios como o deus criador da terra, escolheu Ut-Napishtim (ou Utnapishtim) para construir uma arca quadrada com seis andares.

No decorrer do século XIX, a “Epopéia de Gilgamesh” completa (de 650 a.C.) foi descoberta em ruínas da grande biblioteca de Nínive, evidenciando a profundidade e a amplitude das semelhanças e diferenças entre os relatos. Segue uma listagem mais detalhada dos pontos de semelhança e de contraste:

  • Deus (ou diversos deuses no relato de Gilgamesh): Em ambas as narrativas, a divindade decide destruir a humanidade devido à sua maldade e pecado.
  • Homem justo: Um homem justo foi instruído a construir uma arca para salvar um grupo seleto de pessoas e todas as espécies de animais. No Gênesis, Noé recebeu suas ordens diretamente de Deus, enquanto Utnapishtim foi alertado por um sonho.
  • Dimensões da arca: Ambas as arcas eram gigantescas, embora suas formas fossem diferentes – a de Noé era retangular e a de Utnapishtim, quadrada.
  • Estrutura da arca: Ambas possuíam uma única porta e pelo menos uma janela.
  • Origem das águas: Uma forte chuva cobriu a terra e as montanhas, embora no relato bíblico também haja a menção de água que surgiu debaixo da terra.
  • Duração da tempestade: A chuva de Noé durou 40 dias e 40 noites, enquanto a tempestade em Gilgamesh foi significativamente mais curta: “Seis dias e sete noites vieram o vento e o dilúvio, a tempestade achatando a terra” (conforme o Tablete XI, tradução de Maureen G. Kovacs).
  • Envio de pássaros: Pássaros foram soltos para localizar terra firme – no relato bíblico, um corvo e três pombas; no relato de Gilgamesh, uma pomba, um andorinhão e um corvo.
  • Descanso da arca: Após o fim das chuvas, ambas as arcas repousaram sobre uma montanha: a arca de Noé no Monte Ararat e a de Utnapishtim em Nisir, montanhas que ficam a aproximadamente 300 milhas de distância uma da outra.
  • Oferta de sacrifícios: Sacrifícios foram oferecidos após o dilúvio em ambas as narrativas.
  • Reconhecimento divino e bênçãos: Deus (ou os deuses) se agradou dos sacrifícios, concedendo bênçãos – Noé recebeu a bênção de repovoar a terra e governar sobre os animais, enquanto Utnapishtim foi agraciado com a vida eterna.
  • Promessa de não destruir novamente a humanidade: Ambas as versões relatam um compromisso divino de não aniquilar a humanidade novamente.

O aspecto talvez mais interessante é a constância desses relatos ao longo do tempo. Ainda que a “Epopéia de Gilgamesh” completa só tenha sido descoberta no século XIX, segmentos muito anteriores (anteriores à redação do Gênesis) foram encontrados e datados. Contudo, é notório que a fidelidade do relato hebraico costuma ser considerada maior, atribuída à importância da tradição oral judaica e à possibilidade de que parte da história tenha sido registrada por Noé ou em sua época, o que, por sua vez, sugere que o relato hebraico possa ter antecedido a versão babilônica.

Alguns estudiosos hipóteses sugerem que os hebreus teriam se apropriado do relato babilônico, mas não há provas conclusivas que sustentem essa ideia. Considerando as numerosas e variadas diferenças e detalhes entre os relatos, parece improvável que a versão bíblica tenha se baseado em uma fonte suméria pré-existente. Ademais, dada a reputação dos judeus em transmitir informações de maneira minuciosa entre as gerações e manter um relato consistente dos fatos, muitos consideram o Gênesis mais histórico do que a Epopéia de Gilgamesh, que é vista como mitológica por conta de seus inúmeros deuses, conflitos internos e intrigas na definição do destino da humanidade.

Para aqueles que acreditam que a Bíblia é a Palavra de Deus, faz sentido concluir que Ele escolheu preservar o relato verdadeiro por meio das tradições orais do seu povo eleito. Pela providência divina, essa história foi mantida pura e consistente ao longo dos séculos até que Moisés a registrou no Livro do Gênesis. A Epopéia de Gilgamesh, por sua vez, é entendida como uma narrativa que sofreu alterações e acréscimos ao longo dos anos, influenciada por pessoas que não seguiam o Deus de Abraão, Isaque e Jacó.

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