Depravação Total – É Bíblico?
A expressão “depravação total” é utilizada para resumir o que a Bíblia ensina sobre a condição espiritual do homem caído. Trata-se do “T” no acrônimo TULIP, comumente usado para enumerar os cinco pontos do Calvinismo ou as doutrinas da graça. Como o termo “depravação total” pode levar a interpretações equivocadas, alguns preferem usar expressões como “total incapacidade”, “incapacidade de retidão”, “corrupção radical” ou até mesmo “incapacidade moral”. Contudo, o importante não é o nome atribuído à doutrina, mas sim o quão precisamente ela resume o que a Bíblia ensina acerca da condição espiritual do homem caído. Independentemente do nome adotado, o fato é que, quando corretamente compreendida, essa doutrina descreve com exatidão o que a Bíblia ensina sobre esse tema tão relevante.
Muitas vezes mal interpretada, a doutrina da depravação total reconhece que a Bíblia ensina que, como resultado da queda do homem (Gênesis 3:6), todas as áreas do ser humano—mente, vontade, emoções e corpo—foram corrompidas pelo pecado. Em outras palavras, o pecado afeta todas as áreas do nosso ser, interferindo tanto no que somos quanto no que fazemos. Ele atinge o cerne de nossa existência, de modo que tudo é contaminado pelo pecado e “…todos os nossos atos de justiça são como trapos imundos” diante de um Deus santo (Isaías 64:6). Essa visão afirma que pecamos porque somos, por natureza, pecadores. Ou, como Jesus diz: “Toda árvore boa produz bons frutos, mas a árvore má produz frutos ruins. Uma árvore boa não pode produzir frutos ruins, nem uma árvore má pode produzir bons frutos” (Mateus 7:17-18).
A depravação total do homem é evidenciada por toda a Bíblia. O coração humano é “enganoso e profundamente corrupto” (Jeremias 17:9). A Escritura também nos ensina que o homem nasce mortal em transgressão e pecado (Salmos 51:5; Salmos 58:3; Efésios 2:1-5). Ensina ainda que, por estar morto em transgressões (Efésios 2:5), o homem é cativo do amor pelo pecado (João 3:19; João 8:34), de modo que não busca a Deus (Romanos 3:10-11), amando as trevas (João 3:19) e não compreendendo as coisas de Deus (1 Coríntios 2:14). Assim, os homens suprimem a verdade de Deus com injustiça (Romanos 1:18) e continuam a viver deliberadamente no pecado. Por serem totalmente depravados, esse estilo de vida pecaminoso lhes parece correto (Provérbios 14:12), fazendo com que rejeitem o evangelho de Cristo como tolice (1 Coríntios 1:18) e sua mente se torne “hostil para com Deus; porquanto não se submete à lei de Deus, pois não pode fazê-lo” (Romanos 8:7).
O apóstolo Paulo resume a depravação total do homem em Romanos 3:9-18. Ele começa afirmando que “judeus e gregos estão debaixo do pecado”. Em outras palavras, isso significa que o homem está sob o controle do pecado, sendo dominado por sua própria natureza pecaminosa. O fato de que os incrédulos são controlados por suas tendências egoístas e pecaminosas não deveria surpreender nenhum pai ou mãe. Que pai ou mãe ensina seu filho a ser egoísta, a cobiçar o que o outro tem ou a mentir? Tais atitudes surgem naturalmente da natureza pecaminosa do menino. Ao contrário, o pai ou a mãe precisa dedicar tempo para ensinar a importância de falar a verdade, de compartilhar em vez de ser egoísta, de obedecer em vez de se rebelar, etc.
Ao longo do trecho, Paulo cita amplamente o Antigo Testamento para explicar quão pecador o homem realmente é. Por exemplo, nota-se que: 1—ninguém está isento do pecado; 2—ninguém busca a Deus; 3—não há ninguém que seja bom; 4—a fala do homem é corrompida pelo pecado; 5—as ações também são corrompidas; e 6—acima de tudo, não há temor a Deus. Assim, ao considerar mesmo esses poucos versículos, torna-se evidente que a Bíblia ensina que o homem caído é “totalmente depravado”, pois o pecado afeta todas as partes dele, incluindo mente, vontade e emoções, de forma que “não há nenhum que faça o bem, nem mesmo um” (Romanos 3:12).
Existe um equívoco comum a respeito da depravação total. Essa doutrina não significa que o homem seja tão perverso ou pecador quanto poderia ser, nem que ele não possua consciência ou senso de certo e errado. Também não quer dizer que o homem não faça ou não possa fazer coisas que, sob uma perspectiva humana ou segundo um padrão humano, pareçam boas. Nem tampouco significa que o homem não consiga agir de maneira que, externamente, se conforme à lei de Deus. O que a Bíblia ensina e o que a depravação total reconhece é que mesmo as “boas” ações do homem são contaminadas pelo pecado, porque não são realizadas para a glória de Deus e nem movidas pela fé Nele (Romanos 14:23; Hebreus 11:6). Enquanto o homem observa os atos exteriores e os julga bons, Deus considera não apenas as ações visíveis, mas também as motivações internas que delas decorrem. E, por procederem de um coração em rebelião contra Ele e não serem feitas para a Sua glória, essas boas ações tornam-se como “trapos imundos” aos olhos d’Ele. Em outras palavras, as obras boas do homem caído não são motivadas pelo desejo de agradar a Deus, mas sim por interesses próprios, sendo, por isso, corrompidas a tal ponto que Deus declara que “não há nenhum que faça o bem, nem mesmo um!”
Considerando que as Escrituras deixam claro que todo o homem é afetado pelo pecado e, a tal ponto, “ninguém busca a Deus”, como é possível, então, que alguém se torne cristão? A resposta é que Deus deve superar a depravação do homem de forma que ele possa reconhecer seu estado espiritual e sua condição desesperadora sem a graça de Deus. Os olhos espiritualmente cegos do homem precisam ser abertos e a escravidão do pecado, que o torna irremediavelmente cativo, deve ser quebrada para que ele possa responder com fé à mensagem do evangelho e à obra expiatória de Cristo na cruz. Alguns cristãos acreditam que Deus realiza isso por meio de uma espécie de graça universal, na qual Ele coloca o homem em uma condição de capacidade para escolher ou rejeitá-Lo. Outros defendem que para um homem “morto em transgressões e pecados” entender e responder com fé ao evangelho, é necessário que ele nasça de novo ou seja regenerado pelo Espírito Santo (João 3:3). Apenas depois que Deus infunde vida espiritual em um pecador morto, ele pode “ver o reino de Deus.” Aqueles que sustentam essa visão entendem que se trata de um ato soberano de Deus, pelo qual o homem nasce “não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (João 1:12-13).
Mesmo quando a doutrina da depravação total é devidamente compreendida, muitas pessoas a rejeitarão. Esse fato não deve nos surpreender, pois o mundo em geral enxerga o homem como basicamente bom. Portanto, a ideia de que o homem é, por natureza, um pecador depravado, está em desacordo com as visões religiosas, psicológicas e filosóficas modernas sobre a natureza humana. Entretanto, a realidade é que a Bíblia ensina a depravação do coração humano, e a raiz do problema do homem não reside no ambiente em que ele foi criado, mas em seu coração perverso e egoísta. Quando bem compreendida, a doutrina da depravação total desfaz as esperanças daqueles que depositam sua fé em qualquer sistema de salvação baseado em obras, reconhecendo que a graça soberana de Deus é a única esperança do homem. Ao destruir a autopiedade do homem e todos os equívocos sobre sua capacidade de ser salvo por meio de sua própria vontade, a doutrina deixa a pergunta que os discípulos fizeram a Jesus: “Então, quem será salvo?” (Mateus 19:25-26). E a resposta permanece a mesma: “Para os homens é impossível, mas para Deus tudo é possível” (Mateus 19:25-26).
Como a primeira das cinco doutrinas do que é chamado “Calvinismo”, a doutrina da depravação total direciona corretamente a atenção do homem para o restante das “doutrinas da graça”, as quais declaram a maravilhosa obra de Deus na salvação dos pecadores.